Para mim, o "trabalho de detetive" é das melhores e das piores coisas que temos de fazer como médicos.
Passo a explicar.
Se pode ser muito recompensador o trabalho de andar atrás de processos no arquivo, a decifrar gatafunhos escritos à mão antes de haver computadores (ninguém disse que a letra de médico era bonita..), até perceber qual foi a causa do medicamento A ou B que o doente está a tomar agora, ou a cirurgia que fez em 1985 e que explica o processo que lhe está a acontecer agora, e é a chave para resolver o caso atual, outras vezes descobrimos o que não queremos...
Era uma senhora de 50 anos. Nova, portanto. De um dia para o outro foi-se, como um fósforo. Quando foi internada pela primeira vez, a maleita já estava disseminada por todo o corpo. Tinha-se espalhado. Como um fósforo. Sem possibilidade de reação, quanto mais de ação externa.
Fomos investigar a família. Fazer contactos, informá-los de que deveriam vir o mais rápido possível falar connosco. "Sim, amanhã de tarde vou aí", diz o irmão. "Amanhã já é tarde... pode vir antes hoje?"
Então os corpos e os números começam a ganhar nomes e sentimentos e cores. E família.
Nunca casou. Nunca teve filhos. Viveu para o trabalho e para a comunidade, para as inúmeras causas de voluntariado e os grupos sociais em que se envolveu.
Foi-se.
Como um fósforo.
E nós, que para aqui ficamos, encolhidos sob a pequenez do que fizemos. A desviar a cara do destino que não queremos ver. A (quase) viver a nossa vida (semi) breve.
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