Oh não, pensa, vai ser uma daquelas viagens.
Sentada no avião, que agora inicia a descida, começa a sentir aquela pontada fina como quem lhe espetasse uma faca na nuca.
Constante, permanente, compressiva, sem forma de alívio. Sente também nos olhos a mesma compressão, como se lhe empurrassem os olhos para a parte superior da órbita com dedos invisíveis.
Já não consegue continuar, levanta os olhos do livro. O senhor gordo a seu lado vai contente, nem dá por nada.
A hospedeira loira com cara de alemã e bochechas rosadas, extremamente sorridente, passa por ela e
faz sinal a perguntar se está tudo bem e se tem o cinto apertado.
Faz um sorriso forçado, amarelo, e acena que sim. Pelo menos é a resposta a uma das perguntas.
(Mais uma que a vai achar snobe.)
Olha pela janela. Branco, nuvens, nada. Por momentos acha que apenas vê branco porque fechou os olhos, mas fecha e volta a abri-los e
é-lhe devolvida a mesma visão: branco, nada. Céu espesso de nata branca. Não costuma observar a descida do avião pela janela,
(desde há algum tempo que chegou à conclusão de que não vale a pena ansiar pela mudança da mesmisse de todas as descidas),
mas desta vez está curiosa, imagina o que verá o piloto, sendo que ela não vê nada.
Ou será que não vê nada também, e guia o avião com o instinto? Esta ideia anima-a e interessa-a.
O primeiro toque do trem de aterragem no chão. (Seco, vai correr bem).
Habituou-se a prever a aterragem com este primeiro toque, e não se costuma enganar.
Habituou-se também a prever a probabilidade de palmas no final da aterragem em função do número de cabeças loiras no voo. São pensamentos inúteis que se adquirem com o talhar da vida. Mesmo que os evite pensar, eles impõem-se, intrusivos, sedentos de padrão e constância.
25ºC temperatura local. Merci au revoir.
Confusão de gabardines cinzentas, corredores brancos contínuos, e o som das rodinhas a rolar no asfalto.
Capítulo encerrado, vamos voltar ao trabalho.
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