Isto é como tudo
não há-de ser nada
a minha namorada
é tudo que eu queira
mas vive para lá da fronteira
Separam-nos cordas
separam-nos credos
e creio que medos
e creio que leis
nos colam à pele papéis
Tratados, acordos
são pântanos, lodos
Pisemos a pista
é bom que se insista
dancemos no mundo
Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigo
se fosse possível
dois pares de sapatos
levantando o pó
dançar como amigo só
Por ódio passado
que seja maldito
amor favorito
não tem importância
se for é de circunstância
Separam-nos crimes
separam-nos cores
a noite é de horrores
quem disse que é lindo
o sol-posto de um dia findo
Sozinho adormeço
E em teu corpo apareço
Pisemos a pista
é bom que se insista
dancemos no mundo
Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigo
se fosse possível
dois pares de sapatos
levantando o pó
dançar como amigo só
Em passos tão simples
trocar endereços
num mundo de acessos
ar onde sufocas
lugar de supostas trocas
Separam-nos facas
separam-nos fatwas
pai-nossos e datas
e excomunhões
acondicionando paixões
Acenda-se a tua
luz na minha rua
Pisemos a pista
é bom que se insista
dancemos no mundo
Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigo
se fosse possível
dois pares de sapatos
levantando o pó
dançar como amigo só
Haverá coisa mais perfeita?
(... may(be) not..) "Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?" Álvaro de Campos
segunda-feira, julho 30, 2007
Dancemos no Mundo (Sérgio Godinho)
sexta-feira, julho 27, 2007
domingo, julho 22, 2007
Por medo de nos expôr, de nos dar a conhecer, de tirar as nossas máscaras, de nos tornarmos vulneráveis.
Fugimos de nós e fugimos dos outros.
E eventualmente acabamos sós.
Vinham no carro sem dizer uma palavra ao outro.
Eventualmente, ele deitava-lhe um olhar preocupado,
e encontrava-a sempre ausente, olhando pela janela,
com olhos perdidos, para o mais longínquo dos horizontes.
Os filhos, Rui e Miguel, no banco atrás, riscavam o ar com o seu
riso claro, faziam caretas um ao outro, atiravam sorrisos ao ar.
Um deles perguntou se faltava muito tempo para chegarem. O pai
consultou a mulher com o olhar, não encontrando retribuição para este,
e com um suspiro, respondeu "Está quase".
Quando chegaram ao largo onde iria decorrer o concerto, ela avançava
à frente, bela no seu casaco de couro vermelho, e calças justas de ganga.
O cabelo denotava já algum desleixo, dando nota da sua condição
de mãe de dois filhos pequenos. O casal devia ter por volta de 30 e poucos anos.
Escolheu uma fila de cadeiras, a meio da plateia improvisada naquele largo,
seguiram-se os dois filhos, e finalmente, na ponta oposta, o marido.
Passou o concerto ausente, com a cabeça inclinada e pousada numa das mãos, num sinal de cansaço e ligeiro desinteresse.
Não reagiu quando Rui, o filho mais novo, com apenas 2 anos, lhe apontou o contrabaixista, exclamando com os olhos muito abertos, e um imenso ar de espanto
"Olha, mãe, que coisa grande!"
Não reagiu quando ele lhe pediu para ir dar uma volta, porque estava muito chateado de ali estar. O marido, ouvindo o pedido, levantou-se e levou-o pela mão a dar um passeio nas redondezas.
Quando regressaram, Miguel, provavelmente assustado com o enorme silêncio da mãe, pediu-lhe também para o levar ao quarto-de-banho. Mais uma vez sem conseguir obter sequer um ligeiro movimento de cabeça da mulher, e prestes a quebrar com a sua indiferença, pegou na pequena mão do filho e acompanhou-o.
Ela aparentava um enorme vazio dentro de si. Os seus olhos haviam deixado de ver.
Parecia incapaz de sentir, pelo menos da mesma forma de antigamente.
Era já só cacos de uma enorme jarra, que alguém se esquecera de colar novamente no lugar.
O concerto de jazz começou. Rui tentava em vão falar com a mãe, emprestar-lhe um pouco do seu interesse ávido por tudo e por todas as coisas. Após várias tentativas inglórias, olhou-a longamente com os olhos castanhos, brilhantes e enormes, e atirou-se aos seus braços, apertando-lhe o pescoço num último esforço de proximidade.
Nesse momento, de súbito, a mãe acendeu-se. Retribuiu-lhe o abraço com um enorme sorriso, e um novo abraço, juntamente com umas palavras carinhosas naquele dialecto mãe-filho.
Quando o pai chegou com Miguel, dançavam os dois ao som da música, ele rodando o corpo desajeitadamente e ela, atirando gargalhadas, e abanando a cabeça para acompanhar o ritmo da melodia, nunca desviando os olhos do filho mais novo.
Nunca haveria de entender as mulheres, pensou.
segunda-feira, julho 16, 2007
Partículas cinzentas invadem o azul celeste. Pequenas entidades venenosas, sem vontade, sem propósito afectam-nos a todos. A luz vermelha, sua mãe, não nasce, contudo, sozinha. A luz vermelha nasce pelos dedos, nasce pelas mãos e nasce sobretudo pelas mentes inferiores e gananciosas do nosso presente.
Verdes gritantes acastanham-se e acinzentam-se. A alvura nebulosa teima em não chegar. Apenas o cinzento, só o cinzento e nada mais que o cinzento: uma abóbada inatingível e irrespirável.
Aprazíveis partículas líquidas batalham contra as odiáveis outras. O conflito acaba prontamente: as cinzentas ensopadas nas líquidas depressa formam uma lama melíflua que se precipita no solo. A luz vermelha crepita, estrídula e, eventualmente, extingue-se.
Uma batalha foi ganha… a verdadeira guerra aproxima-se.
(texto de Ricardo Reis;foto: Alfândega da Fé, 2007)
quarta-feira, julho 11, 2007
E com esse olhar escrevermos o nosso amor em paginas
infinitas, numa comunhão de almas e espíritos maior do
que todas as palavras, maior do que toda a eternidade,
e do tamanho de toda a cumplicidade
Porque no fundo todas as palavras são desnecessárias
Quando temos toda a imensidão de todas as cartas de amor
de todos os tempos escritas no nosso olhar
(E tudo isto é tanto mais não o sendo nunca)
quarta-feira, julho 04, 2007
o tempo que se inventa quando nunca se é capaz
O tempo que a gente sonha que é chegar e vencer
O tempo faz de nós um copo p’ra beber em paz
O tempo é um momento para nunca mais
O tempo mesmo agora fez a terra girar
O tempo sem demora traz as ondas do mar
O tempo que se inventa quando nunca se é capaz
O tempo é um carro novo sem a marcha-atrás
Voei p’ra te dizer
Sonhei p’ra te esquecer
Eu sei, não vais parar para eu crescer
Eu sei, esperei demais
Donna Maria, "Sem marcha atrás"
(a música pode ser ouvida aqui)