domingo, julho 22, 2007

Há tantas coisas que não dizemos por medo de nós próprios.
Por medo de nos expôr, de nos dar a conhecer, de tirar as nossas máscaras, de nos tornarmos vulneráveis.
Fugimos de nós e fugimos dos outros.
E eventualmente acabamos sós.




Vinham no carro sem dizer uma palavra ao outro.
Eventualmente, ele deitava-lhe um olhar preocupado,
e encontrava-a sempre ausente, olhando pela janela,
com olhos perdidos, para o mais longínquo dos horizontes.
Os filhos, Rui e Miguel, no banco atrás, riscavam o ar com o seu
riso claro, faziam caretas um ao outro, atiravam sorrisos ao ar.
Um deles perguntou se faltava muito tempo para chegarem. O pai
consultou a mulher com o olhar, não encontrando retribuição para este,
e com um suspiro, respondeu "Está quase".
Quando chegaram ao largo onde iria decorrer o concerto, ela avançava
à frente, bela no seu casaco de couro vermelho, e calças justas de ganga.
O cabelo denotava já algum desleixo, dando nota da sua condição
de mãe de dois filhos pequenos. O casal devia ter por volta de 30 e poucos anos.
Escolheu uma fila de cadeiras, a meio da plateia improvisada naquele largo,
seguiram-se os dois filhos, e finalmente, na ponta oposta, o marido.
Passou o concerto ausente, com a cabeça inclinada e pousada numa das mãos, num sinal de cansaço e ligeiro desinteresse.
Não reagiu quando Rui, o filho mais novo, com apenas 2 anos, lhe apontou o contrabaixista, exclamando com os olhos muito abertos, e um imenso ar de espanto
"Olha, mãe, que coisa grande!"
Não reagiu quando ele lhe pediu para ir dar uma volta, porque estava muito chateado de ali estar. O marido, ouvindo o pedido, levantou-se e levou-o pela mão a dar um passeio nas redondezas.
Quando regressaram, Miguel, provavelmente assustado com o enorme silêncio da mãe, pediu-lhe também para o levar ao quarto-de-banho. Mais uma vez sem conseguir obter sequer um ligeiro movimento de cabeça da mulher, e prestes a quebrar com a sua indiferença, pegou na pequena mão do filho e acompanhou-o.
Ela aparentava um enorme vazio dentro de si. Os seus olhos haviam deixado de ver.
Parecia incapaz de sentir, pelo menos da mesma forma de antigamente.
Era já só cacos de uma enorme jarra, que alguém se esquecera de colar novamente no lugar.
O concerto de jazz começou. Rui tentava em vão falar com a mãe, emprestar-lhe um pouco do seu interesse ávido por tudo e por todas as coisas. Após várias tentativas inglórias, olhou-a longamente com os olhos castanhos, brilhantes e enormes, e atirou-se aos seus braços, apertando-lhe o pescoço num último esforço de proximidade.
Nesse momento, de súbito, a mãe acendeu-se. Retribuiu-lhe o abraço com um enorme sorriso, e um novo abraço, juntamente com umas palavras carinhosas naquele dialecto mãe-filho.
Quando o pai chegou com Miguel, dançavam os dois ao som da música, ele rodando o corpo desajeitadamente e ela, atirando gargalhadas, e abanando a cabeça para acompanhar o ritmo da melodia, nunca desviando os olhos do filho mais novo.
Nunca haveria de entender as mulheres, pensou.

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