"Já se viu com que facilidade Frei Martinho absolve os pecados de tentação do pintor Raimundo da Anunciação, que o escolheu com critério e argúcia para seu confessor. Conhecendo-lhe o passado brejeiro de Lisboa, Raimundo não precisa de saber do seu presente que mantém o mesmo traço de volúpia, o ceder às mesmas tentações de uma compleição bem nutrida e exigente que o leva a fazer letra morta do disposto nas Definições impostas no Capitulo Geral celebrado em 1784, segundo as quais é vedado "meter mulheres dentro do Mosteiro ou cerca dele com mau intento". Surpreendido um par de vezes no barraco das alfaias da horta dos frades por irmãos da Ordem, demasiado zelosos, em flagrante delito de violação das Definições, Martinho sempre negou o "mau intento", encontrando santas razões para a episódica presença nas excessivas cercanias do seu hábito de burel de alguma loureira feirante, criada do Psço, lavradeira de Sto Isidoro, lavadeira de trouxa aviada, todas oficialmente em busca de sossego para a alma, mas realmente consolando necessidades mais terrenas que só o frade e Deus, a quem dá contas, conhecem."
in Razões de Coração, Álvaro Guerra
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